domingo, 14 de janeiro de 2018

RESUMO DA MINHA CARREIRA - DESDE O JARDIM DA INFÂNCIA

Texto recomendado para quem tem filhos e para quem, sendo filho, precisa de orientação adicional à dos pais.

OS ERROS E ACERTOS QUE COMETI EM MINHA TRAJETÓRIA PROFISSIONAL, A COMEÇAR PELO MATERNAL.

ADVERTÊNCIA: este texto não é uma crítica a quem quer que seja, mas apenas uma análise fria a respeito do que aconteceu comigo - e que acontece diariamente com milhões de pessoas.

1. A INFÂNCIA. O PRIMEIRO TROPEÇO.

A começar descrevendo brevemente meus pais, já que os pais são o berço de qualquer pessoa e de qualquer carreira de qualquer pessoa.

Meu pai era engenheiro e minha mãe era dona de casa. Pessoas com formações escolares distintas: minha mãe, embora não tivesse sequer completado o primeiro grau, devorava livros de alta qualidade e não cometia erros gramaticais. Por isso aprendi português corretamente e sempre me saí bem em interpretação de textos e em redação. Meu pai, embora simplesmente não conseguisse aprender uma língua estrangeira, inclusive por ser péssimo em termos de comunicação, era excelente em termos de ciências exatas, ciências naturais, geografia e história. Ambos tinham cultura geral acima da média, mas não conseguiam, obviamente, enxergar mais do que é possível a pessoas de classe média.

Como se vê, eu comecei minha carreira profissional dando um pouco de sorte: nasci de pais que tinham boa instrução (formal e informal). Não nasci filho de ricos, nasci em um país mais ou menos (Brasil), mas tive um ambiente em que a cultura e a escolaridade eram razoáveis a ponto de me proporcionar um desenvolvimento intelectual satisfatório. Até aqui, nenhum mérito da minha parte: sorte apenas. Ou azar, a depender do ponto de vista.

Poderia ter sido melhor? Claro que sim. Eu poderia ter nascido filho de família rica, com acesso a escolas bilingues, com uma mentalidade diferente (fui educado para ser empregado dos outros e não para desenvolver minhas aptidões naturais, por exemplo) e, especialmente, com um leque de relacionamentos (networking) que poderiam vir a me proporcionar um salto em minha carreira em patamares extraordinários. Por outro lado, eu poderia ter nascido filho de pais analfabetos, ou mesmo sem pai, e minha vida poderia ter sido como a vida de milhões de pessoas que pegam um trem lotado para subúrbios distantes, vendendo a preço irrisório mão-de-obra de pouca valia no mercado.

O primeiro tropeço na minha educação ocorreu aos quatro anos de idade, quando uma escola particular do Rio de Janeiro achava que seria melhor começar a alfabetizar as crianças aos quatro e não aos cinco anos. É bem possível que crianças que já têm alguma aptidão especial para línguas ou linguagem possam ser alfabetizadas mais cedo. Mas isso certamente não era o meu caso e eu pagaria o preço disso na idade adulta. Enfim, aos cinco anos de idade eu estava terminando a alfabetização e ingressando na 1ª série do primário. Uma escola particular de boa qualidade havia me rejeitado - eu fora incapaz de fazer a prova de ingresso - e fui para uma escola mais ou menos. O erro foi corrigido dois anos depois: embora aprovado para a terceira série, fui para uma escola muito boa para repetir a segunda série. Foi algo correto e necessário em termos pedagógicos, mas terrível para uma criança que foi obrigada a repetir de ano tendo sido aprovada na escola anterior. O resultado foram problemas de relacionamento com os colegas. De qualquer forma, sobrevivi a isso.

Quando eu estava estava na terceira série dessa excelente escola do Rio de Janeiro, um fato me marcou profundamente: a professora, em uma aula qualquer, demonstrou que a escola vinha perdendo alunos no colegial (atualmente, ensino médio). Como assim? Por que uma escola tão boa perdia alunos? Não deveria ser o contrário? Eu saberia a razão alguns anos depois, da pior maneira possível, como veremos adiante.

Nesse mesmo ano houve a mudança da minha família para Salvador. Meu pai era engenheiro de projetos e, como tal, obrigado a ir morar onde havia trabalho. Chegando a Salvador, meus pais percorreram pessoalmente todas as boas escolas particulares da cidades. Fizeram a opção por uma delas. Acho que meus pais adotaram a opção correta (adiante veremos como esse procedimento é importante). Eu fiquei nessa escola até completar o primeiro ano do colegial (atualmente chamado de ensino médio) e a base obtida nessa escola iria me ajudar durante toda a minha carreira, embora na época isso nem passasse pela minha cabeça.

2. A ADOLESCÊNCIA. A PERDA DA PRIMEIRA CHANCE DE FICAR RICO NA VIDA.

Durante a infância e a adolescência, eu era um aluno considerado inteligente, mas com notas medíocres. Por "medíocres" entenda exatamente isto: dentro da média. Eu estudava o mínimo necessário para passar e era um tanto indisciplinado ou, confome o ponto de vista, "com excessivo comportamento crítico" ou com "mentalidade libertária"... Eu lia muito, tal como a minha mãe, mas lia apenas o que me interessava. Não tinha a menor paciência com dever de casa (simplesmente não fazia) e achava que a maioria das coisas que se ensinavam na escola era inútil. Meu nível de cultura geral era acima da média, o que me fazia ser um tanto indelicado com meus colegas. Na verdade, eu não era mais inteligente que a média, apenas talvez mais culto, mais crítico e mais curioso - e certamente mais arrogante.

Em 1982 eu fui uma das primeiras pessoas, no Brasil, a ter acesso a computador. O Brasil estava muito atrasado nesse campo, porque a legislação do Regime Militar restringia ou mesmo proibia a importação de computadores ou programas (softwares). Enfim, na época o sonho de quase todo adolescente de classe média era ter um videogame, mas o meu era ter um computador.

Minha mãe vendeu suas jóias a preço vil e eu pude ter um computador, que custava pouco mais de US$ 100 (na época, muito dinheiro no Brasil), e poderia ter sido o investimento mais rentável da história do mundo.  Enquanto os moleques da minha idade se divertiam com inúteis jogos eletrônicos, aos 12 anos eu já dominava completamente a linguagem de programação Basic-Sinclair. Fazia joguinhos e outros programas. Teria sido o início de uma carreira promissora...

...mas dois entraves encerraram precocemente essa possível carreira: meus pais achavam que eu estava "exagerando" nessa atividade e as possibilidades de estudo e desenvolvimento na linguagem de programação Basic-Sinclair se esgotaram. Eu teria de obter outro computador, mais avançado, e aprender outra linguagem de programação. Só que isso não aconteceu. Eu deixei de usar computador, abortando o que poderia ter sido uma carreira excepcional em uma área com indiscutível potencial de crescimento, na qual eu tinha largado muito à frente de qualquer pessoa da minha idade. Hoje vejo que, aos doze anos, eu perdi a primeira chance de ter ficado rico na vida. Não é possível nem mesmo criticar meus pais por não terem percebido isso - eles eram pessoas de classe média e pessoas de classe média não têm a visão de pessoas mais abastadas, que, com exceção feita a "novos-ricos" e assemelhados, dispõem de horizontes mais amplos e podem perceber oportunidades de desenvolvimento pessoal e profissional que outras pessoas não percebem.

Na época não havia internet, mas eu tinha um rádio de ondas curtas, capaz de receber as transmissões da BBC de Londres, da Rádio Moscou (antiga ex-URSS), da Rádio Habana e de outros países, como Holanda. Eu entendi espanhol perfeitamente e lia livros, jornais e revistas de vários países estrangeiros (Nicarágua, Cuba, Angola, URSS, Portugal e outros).

Em 1985 eu queria fazer escola técnica de química. Isso deixou meu pai horrorizado, pois achava que seria péssimo para minha formação. Para ele, escola técnica era coisa de pobre que não conseguiria cursar uma faculdade.

O desastre na minha formação escolar, porém,  ocorreu em 1986, ano em que mudamos para São Paulo. Em vez de adotar o mesmo procedimento que adotaram em 1979 (visitar várias escolas e antes de escolher uma delas), meus pais decidiram me matricular em uma escola que, supostamente, era especializada em preparar alunos para o vestibular.

A escola tinha várias unidades na capital e no interior de São Paulo. Já na minha primeira semana, percebi que a escola tinha alunos que para mim pareciam, digamos, um tanto estranhos. Além de alguns quebrarem e jogarei cadeiras pela janela (!), havia alunos que fumavam durante as aulas. Muitos me eram hostis em razão do sotaque de baiano que eu tinha naquela época. Havia um número significativos de professores que ainda estavam cursando a faculdade. Trocas de professores no meio do curso não eram incomuns.

A maior parte dos alunos dessa escola era formada por adolescentes que tinham dificuldade ou simplesmente não conseguiam passar de ano nas boas escolas de São Paulo. Obviamente havia alunos que, como eu, eram de outras cidades e não sabiam o que todos os adolescentes de São Paulo sabiam: a tal escola era um meio fácil de ser aprovado durante o segundo grau e depois ir fazer uma faculdade particular qualquer (a esmagadora maioria desses alunos sabia que não passaria na USP, mas não se importava com isso).

O "pacto da mediocridade" entre a maior parte dos alunos e a escola era algo óbvio e, provavelmente, dele participavam também os pais desses alunos. Havia também alunos coreanos, que, por não terem o português como língua materna, tinham uma maior dificuldade de aprendizado e precisavam de uma escola em que a aprovação fosse mais fácil. Era exatamente o caso: a escola tinha diversas maneiras de levar alunos visivelmente despreparados à aprovação. Em um evento emblemático, um professor simplesmente narrou quais seriam as questões que cairiam na prova no dia seguinte, de modo a permitir que todos decorassem as respostas.Relatei tudo isso para os meus pais, mas eles simplesmente desconsideraram, alegando que mudar de escola novamente seria ruim para minha formação.

Por um golpe de sorte, no meio do ano seguinte (1987) eu fui "convidado a me retirar da escola" em razão de atividade política. Foi o ano em que ocorreram protestos contra o aumento das mensalidades em várias escolas de São Paulo e eu tive participação destacada no movimento. Não quebrei nada, não obstruí entrada de ninguém, não fiz nada ilícito ou ilegítimo, mas meu papel na organização foi o suficiente para ser expulso, ou, como oficialmente ficou estabelecido, "deixar a escola por iniciativa própria". Fui então para uma pequena escola, de bom nível, séria e decente, que ficou muito surpresa por receber um aluno da outra escola. Eu estava na direção contrária: indo de uma escola em que a aprovação era fácil para uma escola em que somente quem estudasse e aprendesse seria aprovado.

Então entendi porque a minha ótima escola do Rio de Janeiro perdia alunos no colegial: era uma escola séria e, como tal, reprovava alunos que não estudavam. Os maus alunos simplesmente mudavam de escola. Fica a dica para os pais: quer saber se a escola é boa? Veja se ela perde ou ganha alunos ao longo da trajetória escolar. Esse fator pode não ser determinante para a certeza absoluta da qualidade da escola, mas é um indicador extremamente valioso.

Na nova escola, minha situação foi absolutamente constrangedora: eu não sabia absolutamente nada do que os professores ensinavam. Eu tinha passado um ano e meio sem estudar. Era hora de correr atrás do prejuízo: tentar um cursinho pré-vestibular, coisa que aluno de escola decente não precisa fazer. O resultado até que não foi ruim, considerando as circunstâncias adversas: fui reprovado no vestibular para o curso de Direito na USP, mas aprovado para o curso de Geologia na UNESP. Não fiz qualquer vestibular para faculdade particular, pois pagar faculdade era algo fora de cogitação na minha família.

Cursei duas semanas na UNESP, mas resolvi abandonar o curso. Não tinha certeza de qual curso deveria seguir. Eu estava com 17 anos e poderia me dar ao luxo de entrar na faculdade no ano seguinte. Então ingressei em outro curso pré-vestibular para tentar sanar as deficiências da minha formação escolar.

Fiz novamente vestibular para Direito na USP. Minha média foi superior à média dos aprovados, mas minha redação foi anulada por razões misteriosas e eu fui eliminado. Suspeito que a anulação da minha redação ocorreu porque eu escrevia (como, aliás, até hoje escrevo) com letra de imprensa: como fui alfabetizado cedo demais, minha caligrafia cursiva era péssima e, a despeito dos exercícios com os "cadernos de caligrafia", acabei por passar a escrever com letra de imprensa.

3.A IDADE ADULTA. O COMEÇO DA CARREIRA PROFISSIONAL. NOVAMENTE PERDI A CHANCE DE FICAR RICO.

No ano seguinte, no começo de 1989, fiz concurso para oficial de justiça. Fui aprovado com boa colocação e fui convocado rapidamente. Comecei a trabalhar. Fiz pela terceira vez o vestibular para direito na USP e fui aprovado com nota dez em redação.

Não vou descrever aqui como foi minha vida no tempo de oficial de justiça nem da faculdade, porque isso está bem detalhado no Blog Oficial de Justiça aos 19 anos.

Assim, vou pular no tempo e ir direto para o que foi o meu primeiro emprego depois de formado. Eu tinha uma experiência profissional considerável, pois tinha sido, além de oficial de justiça na área criminal, estagiário em empresas, escrevente (atualmente, técnico judiciário) no cível, na Justiça do Trabalho e no TRF-3ª Região.

Não tive a menor dificuldade para conseguir emprego como advogado. Fui contratado na primeira entrevista, após enviar poucos curricula para poucos escritórios.

Fiquei menos de dois anos nesse escritório. Saí quando fui aprovado e convocado para ser Procurador do INSS. Na época, eu estava ganhando menos do que a média dos advogados no mercado (refiro-me aos escritórios privados). Eu sabia que poderia ganhar mais em outro escritório, mas eu queria sair de São Paulo-Capital. Por isso fui ser Procurador do INSS em São João da Boa Vista (SP).

Se tivesse continuado a trabalhar como advogado em escritório privado, digo, continuado trabalhando como empregado ou "associado" em qualquer escritório de razoável, eu estaria ganhando mais dinheiro do que ganho hoje como servidor público. Não estaria rico, porque ninguém fica rico trabalhando para os outros, mas estaria hoje ganhando mais. Mas não quero aqui explicar os motivos disso, porque esta discussão ocorre hoje de forma deturpada em razão da reforma da previdência. Não quero discutir se servidor público é "privilegiado" ou é um "coitadinho". O fato é que fiz a opção por sair de São Paulo (SP) e, na época, tive um ganho salarial, sabendo que, no futuro, eu iria perder dinheiro em razão de sair do setor privado e ir para o setor público. Como quase tudo na vida é uma questão de escolha, eu fiz a minha: sair de São Paulo (SP).

A vida profissional em São João da Boa Vista (SP) não foi fácil. Se por um lado eu estava morado em uma casinha de dois quartos com quintal (isso para mim era delicioso) em um bairro que não era classe média alta e pagando um aluguel barata, por outro a parte profissional foi uma experiência e tanto.

Eu tinha saído de um escritório super organizado, no qual as rotinas de trabalho

Continua...